O coronavírus e a responsabilidade nos contratos internacionais
| Autor | Nelson Rosenvald |
| Cargo del Autor | Universidade Federal do Rio de Janeiro ? Brasil |
| Páginas | 381-396 |
381
O cOrOnavírusearespOnsabilidadenOscOntratOsinternaciOnais
o coronAvÍrus e A resPonsABiLidAde
nos contrAtos internAcionAis
Nelson Rosenvald
(Universidade Federal do Rio de Janeiro – Brasil)
1. introdução
A historicidade do conceito de contrato não é a sua única variável. A
globalização impôs o receituário contratual das jurisdições da common
law1, um misto entre a tradição inglesa depurada pelo pragmatismo norte-
americano. Os contratos internacionais pressupõem a paridade entre atores
de diversos países. Nada obstante, a despeito da presunção de simetria das
relações interempresariais, a assimetria econômica entre os países de origem
e, sobremodo institucional, perante ordenamentos jurídicos que oferecem
uma longa história de previsibilidade e segurança jurídica, normaliza os
instrumentos, práticas e remédios contratuais norte-americanas e ingleses.
Diante de uma pandemia, notadamente o coronavírus, é necessário vislumbrar
o seu impacto na execução de contratos com o DNA de uma tradição jurídica
diversa das jurisdições aliadas a civil law. Porém, abordaremos também o
direito alemão e o instrumentos internacionais que se aplicam à temática,
sempre levando em consideração que a rígida dicotomia common law/civil
law é relativizada diante crescente importância da jurisprudência e de outras
tendências de descodicação (v.g. soft law) no terreno da civil law e, da colcha
de retalhos que resulta da tendência à codicação na esfera anglo-americana.
Tudo isto ilustra a convergência das famílias legais, com consequência sobre
o exame da pandemia nos contratos internacionais.
Este artigo analisa a alocação positiva ou negativa de riscos em caso de
mudanças radicais nas fundações do contrato, com enfoque no coronavírus,
que não apenas acarreta pesados custos humanos, porém impacta dramatica-
mente no comércio mundial. Em economias integradas, onde as organizações
dependem de seus fornecedores no exterior, esses eventos incluirão doenças
1 Como tivemos ocasião de tratar em certa ocasião,a expressão genérica “civil law” se
refere a um número de diferentes tradições jurídicas, situadas nas famílias “romanística”,
“germânica” e “nórdica”. Em alguns aspectos, as divergências entre as três famílias são
mais signicativas do que a própria polarização “civil law” x “common law”; b) as próprias
jurisdições da “common law” são bastante heterogêneas. Notadamente, há uma profunda
distinção estrutural entre o direito inglês e o direito norte-americano. Essa diferença é tão
pronunciada, que se por um lado faz sentido cogitar de uma tradição anglo-americana no
sentido histórico, qualquer insinuação sobre um direito anglo-americano é equivocada”.
A responsabilidade civil pelo ilícito lucrativo, p. 43.
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NelsoN RoseNvald
e quarentenas. Entra em cena a discussão da força maior, da frustration e do
hardship como modelos jurídicos que converterão a crua realidade em justi-
cativas válidas para que uma parte de um contrato adie o desempenho, não
execute, ou renegocie os termos de um contrato em razão da pandemia.
2. o contrAto como instrumento de ALocA ção de
riscos
Se o direito brasileiro tende a entender o contrato não apenas como uma
espécie de negócio jurídico2, porém como instrumento jurídico de alocação
de riscos3, é da tradição anglo-saxônica o signicado do contrato como
instrumento econômico para as partes, baseado em um modelo comercial
de “bargain”, com arrimo na doutrina da “consideration”. A privacidade do
contrato é sustentada pelo princípio do “at arm’s length”, promovendo-se
acordos equitativos do ponto de vista legal, nos quais cada parte não se sujeita
à pressão ou inuência indevida da outra4, sem que essas transações lhes
imputem deveres duciários. Atribui-se cada parte a faculdade de buscar
a melhor barganha, cuja tutela demanda restritas e cirúrgicas limitações à
liberdade contratual, relutando os tribunais em interferir na substância do
ajuste, mesmo quando circunstâncias supervenientes perturbem severamente
o contrato. Não há um princípio geral de revisão de contrato ou a imposição
de um dever de renegociar, pois mesmo diante de signicativas diculdades,
prevalece a noção de que o contrato é para as partes e não para os tribunais5.
Em nossa tradição, o Código Civil é um instantâneo dos contratos.
Contudo, na common law, onde inexiste uma estrutura legislativa sistemática,
o regramento contratual se encontra em livros nas prateleiras das bibliotecas.
As noções fundamentais provêm de precedentes de meados do século XIX6.
2 O esquema legado pelo direito romano de divisão tripartite do direito das obrigações
entre contrato, responsabilidade civil e enriquecimento injusticado é a regra ainda atual
nos sistemas codicados. Porém as jurisdições da common lawnão abrem espaços para
esquemas. Não existem livros de direito das obrigações, apenas de “contracts/ tort/ Un-
justied enrichment”.
3 A Lei da Liberdade Econômica (Lei n. 13.874/19) robustece o conceito de contrato como
um mecanismo posto à disposição da autonomia privada para domar as incertezas do
futuro, como forma de gestão de riscos para que as partes estabilizem expectativas.
4 Há de se notar que o“Right of Third Parties Act” de 1999, criou uma exceção signicativa
sobre a doutrina da privacidade do contrato, permitindo a terceiros, em circunstâncias
denidas, a execução direta de cláusulas contratuais.
5 “The contract is the law adopted by the parties, and it is the contract which the judge
must use a starting point for his deliberations; if it has a gap, he must ll it in accordance
with the standards developed by reputable commercial men for contracts of that type.
No doubt this investigation leaves the judge a great deal of room for play, but it remains
true that he must take functional and equitable considerations into account only to extent
necessary for the performance of his proper task, namely the discover of the allocation of
risks typical of contracts of the same type”. K. ZWEIGERT y H. KÖTZ, An introduction to
comparative law, 3. Ed., Oxford, 1998, p. 536.
6 Como encontrar os chamados “key cases”? Frequentemente os compêndios trazem os
casos que casam com a situação concreta. Há uma enormidade de precedentes, normal-
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