Direitos fundamentais do consumidor e o geopricing na era da economia digital - Tratado de bioética, cibernética y derecho digital. Desde el balcón de los derechos fundamentales - Libros y Revistas - VLEX 976313219

Direitos fundamentais do consumidor e o geopricing na era da economia digital

AutorLeonardo de Andrade Costa/Patrícia Regina Pinheiro Sampaio
Cargo del AutorDoutorando em direito da regulação e professor da graduação da FGV Direito Rio/Professora do curso de doutorado e do mestrado em direito da regulação da FGV Direito Rio
Páginas661-697
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Direitos funDamentais Do consumiD or e o geopricing na
era Da economia Digital
caPítulo XXXVIII
Direitos funDamentais Do consumiDor e o geoPricing na era
Da economia Digital
Leonardo de Andrade Costaξ
Patrícia Regina Pinheiro Sampaioλ
1. INTRODUÇÃO
A economia digital1 potencializou os benefícios e introduziu inúmeros desaos à
equilibrada relação jurídica entre fornecedores e consumidores, em uma nova etapa
do capitalismo, já nanceirizado2 e amplamente globalizado.3
A sociedade como um todo e os consumidores em especial foram beneciados
pelo acesso digital a um novo mundo virtual4. O avanço tecnológico impulsionou
ξ Doutorando em direito da regulação e professor da graduação da FGV Direito Rio. Mestre
em Direito Econômico e Financeiro pela Universidade de São Paulo (USP)/ Harvard Law
School, Cambridge, MA.
λ Professora do curso de doutorado e do mestrado em direito da regulação da FGV Direi-
to Rio. Pesquisadora do Centro de Pesquisa em Direito e Economia (CPDE). Advogada.
Doutora e mestre pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP).
O termo economia digital foi introduzido por Don Tapscott. DON, Tapscott. Digital Econ-
omy. promise and peril in the age of networked intelligence. Mc Graw-Hill. New York,
1995.
1 O termo economia digital foi introduzido por Don Tapscott. DON, Tapscott. Digital Econ-
omy. promise and peril in the age of networked intelligence. Mc Graw-Hill. New York,
1995.
2 CAMPOS, Marcelo Mallet Siqueira; Chiarini, Tulio. Incerteza e não ergodicidade: crítica
aos neoclássicos. Revista de Economia Política, vol . 34, nº 2 (135), abril-junho/2014. p.
309-310.
3 “O tema globalização, embora tenha ganhado ímpeto recentemente, não é novo. O grande
debate da expansão do capitalismo no século XIX, e mesmo antes, foi o da globalização.
O que houve foi uma imensa aceleração desse processo, também em função de transfor-
mações no modo de produzir: no plano dos transportes e das comunicações. O compu-
tador coroou todo esse processo.” CARDOSO, Fernando Henrique. Desaos, Oportuni-
dades e Riscos da Globalização. In, Brasil século XXI: O Direito na Era da Globalização:
Mercosul, Alca e União Européia: Brasília: OAB, Conselho Federal, 2002. p. 30.
4 Não se deve confundir a digitalização com a virtualidade. Conforme salienta Pierre Lévy
“digitalização é o fundamento técnico da virtualidade”. “A informação digital (traduzida
para 0 e 1) também pode ser qualicada de virtual na medida em que é inacessível en-
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e sosticou a interação humana à distância. As mercadorias e os serviços digitais
anteriormente inexistentes aumentaram o bem-estar individual e coletivo, uma mu-
dança substancial em 25 (vinte e cinco) anos, desde o início da fase comercial da rede
mundial de computadores, em 19955. É possível atualmente fazer remotamente, por
exemplo, a reserva de passagens aéreas, a solicitação de um táxi, a compra de merca-
dorias, a realização de pagamentos, até ouvir música, assistir um lme ou divertir-se
com um jogo eletrônico on line. Essa realidade na área do comércio de bens e serviços,
trabalho, ensino e lazer não existiriam sem as novas tecnologias e os avanços propor-
cionados pela designada economia digital.
Além da sosticação e maior eciência na gestão empresarial, a expansão da com-
putação intermediando todas as transações6 ensejou o surgimento de novos negócios
e bem assim da telemática, convergência das telecomunicações com a informática7.
Na realidade, antes mesmo do início da aludida fase comercial da internet, e da
caracterização da atual economia como digital, a realização de transações com bens
e serviços mediadas direta ou indiretamente por computadores8 permitiu o registro,
classicação, processamento e consolidação de informações anteriormente dispersas
e de difícil gestão, pois estavam documentadas apenas em papel.
quanto tal ao ser humano. Só podemos tomar conhecimento direto de sua atualização por
meio de alguma forma de exibição. Os códigos de computador, ilegíveis para nós, atuali-
zam-se em alguns lugares, agora ou mais tarde, em textos legíveis, imagens visíveis sobre
tela ou papel, sons audíveis na atmosfera”. LÉVY, Pierre. Cibercultura. Trad. Carlos Iri-
neu Costa. 3ª Edição. 2010. Disponível em: https://mundonativodigital.les.wordpress.
com/2016/03/cibercultura-pierre-levy.pdf. Acesso em 20.04.2020. p.47 e seguintes.
5 O desenvolvimento da internet é usualmente dividido em duas fases: (1) de 1967 a 1995,
chamada de fase militar e acadêmica; (2) de 1995 até os dias atuais, após o início de sua
fase comercial. “In 1995, the control of the main research backbone was entrusted to
MCI Communications, operating alongside other commercial, academic, and non-prof-
it networks.” Disponível em: https://www.oxfordscholarship.com/view/10.1093/
oso/9780198833079.001.0001/oso-9780198833079-chapter-4. Acesso em 20.04.2020.
6 Conforme observa Hal Varian, economista chefe do Google, e autor de diversos livros de
microeconomia, “a computer in the middle of a transaction can observe and verify many
aspects of a transaction”. VARIAN, Hal R. Computer Mediated Transactions. American
Economic Review. Vol. 100, nº. 2, May 2010. p. 2. Disponível em: https://pdfs.semantics-
cholar.org/2808/56c43377772a066cb242a11b2ab33144d865.pdf. Acesso em: 20.04.2020.
7 “A telemática pode ser conceituada, sucintamente, como comunicação informatizada,
ou seja, técnica que trata da comunicação de dados entre equipamentos informáticos
distantes uns dos outros. É um ramo do conhecimento cibernético e não deve ser con-
fundida com a informática, pois aquela cuida dos problemas referentes à circulação de
informações, o monopólio deste serviço, bem como sua regulamentação legal”. FERRA-
RO, Valkíria Aparecida Lopes; PAULA, Rogério Martins de. A Sociedade da Informação
na Economia Globalizada: Alguns Aspectos do Direito Cibernético. Seminário: Ciências
Sociais e Humanas, Londrina, v. 25, p. 19-28, set. 2004. p.23 Disponível em: http://www.
uel.br/revistas/uel/index.php/seminasoc/article/download/3810/3068. Acesso em
20.04.2020.
8 Um computador é uma montagem particular de unidades de processamento, de trans-
missão, de memória e de interfaces para entrada e saída de informações. Nesse sentido,
vide LÉVY, Pierre. Cibercultura. Trad. Carlos Irineu Costa. 3ª Edição. 2010. Disponível
em: https://mundonativodigital.les.wordpress.com/2016/03/cibercultura-pierre-levy.
pdf. Acesso em 20.04.2020. p.46.
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era Da economia Digital
A American Airlines, em parceria com a IBM, por exemplo, introduziu desde a
segunda metade do século XX um sistema de reservas de passagens aéreas automa-
tizado, denominado Semi-Automatic Business Research Environment (Sabre)9. A partir
da implementação do sistema foi possível realizar estudos acerca dos padrões de
comportamento e do perl dos clientes dessa empresa aérea durante o processo de
reservas.
Segundo Hal Varian, o Sabre propiciou a adoção de um sosticado modelo de
diferenciação de preços, também conhecido como yield management, no setor de
transportes10.
Constata-se, dessa forma, que a tentativa de personalização ou discriminação de
preços com fundamento nas características e comportamento dos consumidores não
é novidade11.
No entanto, a capacidade de fornecedores personalizarem a oferta de bens e ser-
viços, por meio de preços diferenciados, foi substancialmente potencializada pelos
avanços tecnológicos e negócios realizados por meio de plataformas digitais. O aces-
so, tratamento e ampla adoção do chamado aprendizado automático de máquina
(machine learning) e utilização de grandes volumes de dados (big data) pessoais, que é
um dos diferenciais dos negócios digitais, estabelecem inúmeros benefícios e desaos
para boa regulação jurídica do tema, incluindo a necessária proteção dos direitos à
privacidade de consumidores e da sociedade em geral12.
O chamado geopricing, conforme será examinado adiante, é, na realidade, uma es-
pecicidade dentro do modelo de personalização de preços na era da economia digi-
tal. A personalização do preço, por sua vez, se diferencia do chamado preço dinâmico
(dynamic pricing), de acordo com o qual os preços dependem da data em que foi rea-
lizada a demanda (date of booking) ou se baseia no valor xado no momento da oferta
9 “The Sabre reservation system was built in 1960, with lessons learned from IBM’s mid-
1950s project to build the gigantic SAGE (Semi-Automatic Ground Environment) air de-
fense computer system. At rst, Sabre just operated in one location, Briarcliff Manor, New
York, with two IBM ® 7090 computers. By the end of 1964, this new system was handling
7500 reservations per hour. The average time to process a reservation in the old manual
card system was 90 minutes. Sabre cut it to seconds”. Disponível em: https://www.ibm.
com/ibm/history/ibm100/us/en/icons/sabre/. Acesso em 20.04.2020.
10 “The existence of airline reservation systems enabled sophisticated differential pricing
(also known as “yield management”) in the transportation business.”. VARIAN, Hal R.
Computer Mediated Transactions. American Economic Review. Vol. 100, nº. 2, May 2010.
p. 4. Disponível em: https://pdfs.semanticscholar.org/2808/56c43377772a066cb242a-
11b2ab33144d865.pdf. Acesso em: 20.04.2020.
11 “Some instances of personalised pricing have taken place in the ofine world for a long
time. For example, in some countries, some day care facilities, schools and universities
charge prices dened as percentages of household income. A car dealer might adjust his
price depending on his ability to estimate a customer’s maximum willingness to pay.
More broadly, any market with discretionary rebates off advertised prices is susceptible
to personalised pricing”. Organisation for Economic Co-operation and Development. Per-
sonalised Pricing in the Digital Era – Note by the European Union. 28 November 2018.
Disponível em: https://one.oecd.org/document/DAF/COMP/WD(2018)128/en/pdf.
Acesso em 09.05.2020.
12 A matéria será tangencialmente abordada na terceira parte desse artigo.

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