Violencia urbana e politicas de seguranca: analise em quatro cidades latino-americanas. - Vol. 47 Núm. 141, Mayo 2021 - EURE-Revista Latinoamericana de Estudios Urbanos Regionales - Libros y Revistas - VLEX 869034284

Violencia urbana e politicas de seguranca: analise em quatro cidades latino-americanas.

AutorHidalgo, David

Introdução

A violência na humanidade existe desde os primordios da civilização universal e tem crescido com o passar dos séculos. Para Thomas Hobbes ([1651] 1980), em sua célebre obra O Leviatan, os homens estão condenados, por sua natureza, a lutarem entre si e isso permite a existência do Estado (Leviatan) para controlar os meios de coerção aplicando-os, quando necessário, para garantir a ordem e a convivência humana.

No entanto, a dinâmica da vida humana criou conceitos como a propriedade privada, meios de produção, intercâmbio e consumo, entre outros, principiando a percepção diferenciada de quem tem acesso a esses padrões de vida e quem não tem. Para S. Adorno (2002), isso gera na sociedade a ideia de desigualdade material entre as pessoas, somando-se à existência de uma guerra civil molecular própria da natureza humana, mas que agrega um caráter ideológico sobre esse aspecto material abstraindo-se, muitas vezes, que a vida (o direito a ela) é o bem (físico) mais precioso da humanidade e que não deveria ser violentada.

Por outro lado, de acordo com Assman e Bazzanella (2012), com o surgimento das polis e das cidades-Estado, nasce a estrutura da vida política centralizada na economia com lógicas de produção, consumo e relações de poder na sociedade. Então, nesses processos de urbanização do território, para dar origem às cidades modernas, a economia buscará manter lógicas de consumo que geram a dicotomia exclusão-inclusão na sociedade, retratada em desigualdade econômica e social, sendo esse o cenário político e geográfico que marca a gênese da violência na cidade. Dessa forma, se produz a urbanização da violência e, com isso, a cidade se converte "em produtora da violência urbana e também será condição de um cenário de contenção das violências; no sentido de ser prática social que se desenvolve e se expressa no espaço" (Carrión, 2008, p. 116).

A produção e reprodução da violência urbana enquanto fenômeno social decorre, principalmente, das dinâmicas capitalistas e das lógicas de mercado e interesses políticos particulares sobre o espaço urbano. Além disso, tradicionalmente, a violência urbana engloba ações de natureza criminal como roubos, delinquência e homicídio (mas existem outras violências como discriminação racial, de gênero, no trânsito, etc.). Inclusive, a complexidade desse fenômeno que produz insegurança nos cidadãos pode alcançar um nível de crime organizado que tem uma forte presença no território, convertendo-se em um poder paralelo ao Estado.

É assim que a violência urbana aparece de forma recorrente nos países em desenvolvimento. Esse é o caso de países capitalistas de terceiro mundo da América Latina que tem mantido estruturas de desigualdade social e econômica herdadas de seu passado colonial. Nessas nações a pobreza urbana estrutural tem aumentado progressivamente de acordo com a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (cepal), em seu relatório Panorama Social para América Latina 2018 apresentado no Chile. Para Galtung (1980) é importante satisfazer as necessidades humanas básicas para poder reduzir a violência cultural e estrutural geradoras de violência direta no cotidiano. É a diferença socioeconômica materializada em assimetrias espaciais nas cidades a que ocasiona violência urbana com altos índices de delinquência e insegurança. Dessa forma, esse cenário constante faz com que seja imperativo ao poder público para combater a delinquência.

Para as cidades de Medellín, Guayaquil, Rio de Janeiro e Curitiba, a realidade não é diferente e tem peculiaridades que refletem nas suas respectivas políticas de segurança. Medellín teve altos índices de violência urbana na segunda metade do século xx. Guayaquil na medida em que cresceu a diferença socioeconômica ao final do século xx e início do século xxi apresentava maiores índices de criminalidade. Rio de Janeiro e Curitiba em um país com a taxa de homicídio mais alta do mundo continuam sem um sistema nacional de segurança pública. Essas realidades constituem um contexto desafiante para a implementação de políticas públicas de segurança urbana por estarem em territórios de conflito com tensões sociais e econômicas históricas.

Metodologia

Com o intuito de analisar o fenômeno, adotou-se como metodologia a revisão de bibliografia pertinente para a compreensão do problema e estudo de caso comparativo de quatro cidades da América do Sul que apresentam, no que tange à temática da violência urbana, características e evoluções distintas dentro de um contexto sociocultural comum latino-americano.

As cidades selecionadas para este estudo foram: Medellín (Colômbia), Guayaquil (Equador), Rio de Janeiro e Curitiba (Brasil). O critério de seleção respaldou-se em políticas públicas aplicadas a este fenômeno urbano que, em alguns casos, tem apresentado melhoras significativas e, em outros, severos transtornos e anomalias urbanas particulares dentro da convivência social dessas urbes. Para isso, foi utilizada como parâmetro indicativo a taxa de homicídios para cada 100 mil habitantes, reconhecida pela comunidade internacional como o principal indicador para medir o estado de segurança em cidades e países. Salienta-se a importância desse indicador como chave para a compreensão da gravidade da problemática por ser vinculado diretamente com "o risco de perder o principal bem jurídico que o Estado deve proteger: o direito humano à vida" (Srur, 2013, p. 5).

A desigualdade socioeconômica e a violência urbana nas cidades

A violência urbana é um fenômeno social que tem muitos matizes e formas, no entanto é em grande parte uma reação às lógicas de convivência dentro da dinâmica capitalista e de relações de poder presentes no espaço urbano em todas as cidades do mundo. É com esta lógica de acumulação materialista dos habitantes de uma cidade que, ao mesmo tempo, gera uma percepção de desigualdade entre eles, que a violência toma forma de conflito social por acessos desiguais a bens físicos, o que cria um tecido urbano complexo que altera a segurança das pessoas na cidade. Johan Galtung (1998), em sua teoria do triângulo da violência-violência direta, violência estrutural e violência cultural, enfatiza que a pior das três é a violência estrutural. Sob a forma estrutural a violência obriga as pessoas a viverem em condições espaciais precárias onde suas necessidades básicas são negadas.

Em uma pesquisa para o Banco Mundial, realizada com 2000 municípios no México, o economista Hermann Winkler concluiu que a desigualdade gera uma sensação de injustiça entre as pessoas em desvantagem que lhes leva a buscar uma compensação por outros meios, incluindo atividades criminais (Valls, 2014). Em uma entrevista publicada no diário argentino El País em 2014 (Valls, 2014), Winkler manifestou que a atividade criminal também pode ser explicada por uma análise custo-benefício, quer dizer, quanto mais escassas sejam as atividades econômicas para os mais pobres e quanto maior seja a desigualdade de oportunidades entre pobres e ricos, os benefícios econômicos de crimes como roubos ou sequestros--que muitas vezes terminam em homicídios--tendem a ser maiores.

A Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (cepal), em seu relatório Panorama Social para América Latina 2018 apresentado no Chile, indica que a pobreza extrema aumentou alcançando seu nível mais alto desde 2008 apesar de a pobreza na América Latina ter se mantido estável em 2017, enquanto existe uma significativa redução da desigualdade desde 2000. Alicia Bárcena (cepal, 2019) observa que: "Mesmo quando a região obteve importantes avanços na década passada e meados do presente, desde 2015 tem-se registrado retrocessos particularmente em matéria de pobreza extrema". A permanência ao longo da história dessas condições sociais e econômicas produz violência urbana nas cidades latino-americanas com consequências sobre os seus cidadãos.

A violência urbana traduz-se em insegurança cidadã e causa a ruptura de vínculos sociais em que "o incremento da insegurança e as perdas de vidas humanas e bens materiais conduzem a que a violência seja um dos problemas que mais deteriora a qualidade da vida urbana e corrói a condição pública da cidade" (Carrión, 2008, p. 122).

Além disso, na presente análise, a violência urbana será tomada no sentido amplo com foco no espaço territorial urbano que envolva ação humana delituosa ou ação policial que afete o direito à segurança pessoal, que abrange o direito à vida, à integridade e ao patrimônio e quando ganha proporções torna-se um problema de segurança pública. Para Silveira (2007), a inclusão da atividade policial justifica-se no reconhecimento de que há ações policiais em que se emprega força desproporcional e, em alguns casos, atingem a segurança pessoal pela via transversa e constituem-se em desvio gerador de violência.

Para entender a violência e seu ciclo vicioso de permanência na cidade, outro conceito útil é o de autopoiese que, de acordo com Maturana (1998), é um fenômeno da biologia que significa autoprodução e explica sistemas vivos onde há reposição contínua de seus elementos desgastados e que são, ao mesmo tempo, autônomos e independentes. É assim que a violência e a insegurança se reproduzem na cidade durante seu processo de urbanização e isso faz com que esse fenômeno urbano seja sistemático dentro de um contexto das decisões econômicas e políticas influentes sobre o convívio social.

Existem vários parâmetros para medir a qualidade da vida urbana nas cidades como, por exemplo, excelência no transporte público, qualidade no sistema de saneamento urbano, entre outros, no entanto, a segurança cidadã é um dos mais determinantes porque preserva o direito à vida, isto é, que esta não seja atingida ou perdida na convivencia social.

Como lugar de convívio social, a cidade se converte em produto de lutas sociais entre distintos atores sociais de forma polarizada: i) setores elitizados (elites dominantes); ii) setores periféricos (classes populares). A fragmentação da...

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