A escola está sozinha? Estudo exploratório da relação entre o desempenho dos estudantes e a disponibilidade dos serviços públicos na vizinhança da escola. - Vol. 49 Núm. 148, Septiembre 2023 - EURE-Revista Latinoamericana de Estudios Urbanos Regionales - Libros y Revistas - VLEX 945361445

A escola está sozinha? Estudo exploratório da relação entre o desempenho dos estudantes e a disponibilidade dos serviços públicos na vizinhança da escola.

AutorLovato, Ísis

Introdução

Nos últimos anos, a produção científica nacional e estrangeira dedicada ao estudo da eficácia escolar acumulou evidências sobre diversos fatores que explicam a variação dos resultados escolares dos estudantes. Esses fatores estão relacionados a aspectos como a liderança e gestão escolar, clima disciplinar, trabalho cooperativo e altas expectativas, além do peso considerável que a origem socioeconômica e cultural das famílias exerce sobre o desempenho dos alunos (Alves et al., 2008; Alves et al., 2017; Bressoux, 2003; Kyriakides et al., 2018; Reynolds & Teddlie, 2008; Sammons et al., 1995; Scheerens et al., 2013; Soares, 2005; Soares Neto et al., 2013). Uma grande regularidade sociológica reconhecida por esses estudos desde a década de 1950 é a de que os percursos escolares refletem as condições sociais das famílias dos estudantes (Bourdieu & Passeron, 1975; Coleman et al., 1966).

Embora a forma comumente utilizada para medir a influência do status socioeconômico das famílias considere informações sobre renda, escolaridade, ocupações ou bens de consumo das famílias (M. T. G. Alves et al., 2014; Buchmann, 2002), a localização dos domicílios (vizinhança) também pode ser uma componente socioeconômica importante para fazer inferências sobre as oportunidades de escolarização das crianças e jovens (Sirin, 2005). Recentemente, pesquisas sobre eficácia escolar passaram a incorporar aspectos socioespaciais para explicar as desigualdades de resultados encontrados entre escolas tanto isoladamente como em interseção com outros marcadores sociais (Brooke & Soares, 2008; Koslinski & Alves, 2012; Ribeiro & Katzman, 2008; Ribeiro & Koslinski, 2009). A análise socioespacial, no entanto, é ainda pouco explorada nas produções da área, que prioriza o exame de fatores como insumos escolares e atributos sociodemográficos do alunado e suas relações com a educação.

Este artigo busca contribuir com essa discussão, articulando atributos da vizinhança das escolas com outras características do contexto escolar para explicar as desigualdades de resultados dos alunos em um contexto metropolitano. Especificamente, nosso objetivo é avaliar se a disponibilidade de serviços urbanos no entorno da escola influencia o desempenho de estudantes do ensino fundamental matriculados na rede pública do município de Belo Horizonte. Isso é feito estimando os efeitos de vizinhança sobre o desempenho dos alunos do 5 ano do ensino fundamental da rede pública de Belo Horizonte (Minas Gerais) no Sistema de Avaliação da Educação Básica (saeb), realizado no ano de 2017. Foram ajustados modelos estatísticos de regressão multinível para estimar a proficiência média dos alunos em Língua Portuguesa e Matemática.

A seguir, serão revisados os estudos empíricos que analisam as desigualdades socioespaciais e as oportunidades de aprendizado, com ênfase naqueles que investigam os resultados escolares. Em seguida, serão apresentadas as fontes de dados, as variáveis e a metodologia escolhida para a verificação da hipótese de associação entre os atributos da vizinhança e o desempenho escolar. Encerram o artigo a apresentação dos resultados e a discussão sobre a contribuição do trabalho para os próximos passos no estudo da relação entre a educação e demais serviços públicos urbanos.

As desigualdades socioespaciais e oportunidades de aprendizado

A influência do território na qualidade do ensino ofertado pelas escolas é tema presente em diversas pesquisas no campo educacional e sociológico. Tais estudos conjugam abordagens da Sociologia Urbana e da Sociologia da Educação para a identificação de fatores espaciais para a compreensão das desigualdades nos resultados escolares (Koslinski & Alves, 2012; Ribeiro & Katzman, 2008; Ribeiro & Koslinski, 2009). Uma das principais referências para as pesquisas que examinam os efeitos do lugar na reprodução das desigualdades sociais é representada pela obra de William Julius Wilson, intitulada The Truly Disadvantaged: the inner city, the underclass, and public policy (Wilson, 1987). O autor afirma que o isolamento territorial e a concentração espacial de grupos socioeconomicamente empobrecidos no contexto das grandes metrópoles produzem efeitos negativos em suas condições de vida e mobilidade social.

Impulsionados pelas pesquisas de Wilson (1987), diversos estudos passaram a relacionar realizações socioeconômicas ou processos culturais à composição social dos espaços urbanos. Esses estudos buscam compreender de que maneira a localização da moradia no espaço da cidade poderia influenciar a formação de redes de interação entre os indivíduos com o acesso a oportunidades de auferir rendimento, à inserção no mercado de trabalho, gravidez na adolescência e ao desempenho escolar (Andrade & Silveira, 2013). É nesse contexto que expressões como "efeito de lugar" (Bourdieu, 1997), "segregação" (Maurin, 2004) e "vizinhança" (Maloutas, 2011) passam a ser utilizadas para designar a influência das características sociais da vizinhança sobre as condições de vida e a mobilidade social dos indivíduos, bem como sobre seus destinos escolares (Érnica & Batista, 2012). Dentre os aspectos que explicariam essa influência, alguns estudos destacam a oferta ou escassez de serviços urbanos, assim como a distribuição dos equipamentos públicos (Neves, 2015; Pacione, 2008; Zuccarelli, 2009).

Apesar do crescente interesse sobre a temática da segregação urbana e seus desdobramentos educacionais, não há consenso no Brasil acerca do papel do contexto socioespacial sobre o desempenho escolar. Embora se apoiem no tripé escola, família e espaço, a maioria das pesquisas atribui um peso maior à família ou às características de cada escola para explicar o desempenho dos alunos (Alves et al., 2008). Assim, as variáveis socioespaciais frequentemente assumem um caráter secundário, consideradas como consequências diretas de uma fragmentação social mais ampla, ou atuam como um elemento intermediário (proxy) do nível socioeconômico familiar (Ayed, 2012; Oberti, 2011; Ribeiro & Katzman, 2008).

Alves et al. (2008), por exemplo, constatam que moradores de favelas possuem maior risco relativo de estar em defasagem do que não moradores. Também se descobriu que as escolas de favelas com vizinhanças abastadas não se beneficiam dos equipamentos urbanos disponíveis em maior quantidade no seu entorno, dado que a proximidade física não garante interação entre classes sociais distintas. Em outro artigo, Alves et al. (2010) constroem um índice de oportunidades educacionais que combinou dimensões de oferta e demanda das escolas com ensino fundamental, tanto públicas como privadas. Os autores concluíram que nas áreas habitadas por populações de menor nível socioeconómico a oferta de escolas é mais escassa e, consequentemente, as oportunidades educacionais são menores.

Outro estudo, realizado por Ribeiro e Koslinski (2010), focaliza o impacto de elementos espaciais extraescolares (distância física, acessibilidade, desorganização, isolamento social e estigmatização) sobre as desigualdades educacionais entre alunos do ensino fundamental. Os resultados demonstraram que as escolas que apresentavam menor proficiência nos testes estavam localizadas em entornos menos privilegiados.

Trabalho semelhante foi desenvolvido na cidade de Belo Horizonte em um artigo de Soares et al. (2008), que analisa a influência da localização das escolas públicas no desempenho de seus alunos. Contudo, buscando identificar possíveis relações entre o nível socioeconômico (NSE) das escolas e das Unidades Espaciais Homogêneas (UEH) onde elas estão situadas, os autores concluíram que as condições socioeconômicas das UEH não explicam o desempenho dos alunos. O estudo também revelou que as escolas que atendem a alunos mais pobres, mas estão situadas em UEH com nse mais alto, não têm desempenho além daquele já explicado pelo NSE interno da escola (Soares et al., 2008).

Inserindo o tema da violência na discussão, Eduardo Ribeiro (Ribeiro, 2013, 2020) investiga os efeitos dos conflitos armados sobre o cotidiano de escolas cariocas, analisando o período após a implantação das Unidades de Polícia Pacificadora (UPP). Suas investigações indicam diferença favorável em relação à queda no número de dias sem aulas em função de eventos de violência em regiões onde há presença de UPP.

Por meio de uma abordagem qualitativa, Bittar (2015) considera o espaço como um elemento estruturante das escolhas dos jovens matriculados em uma escola do distrito de Sapopemba, zona leste de São Paulo. Segundo a autora, o modo como os jovens experimentam os diferentes espaços de sociabilidade (igreja, programas sociais, crime) definirá a sua relação com a escola. Nos termos de Van Zanten (2000), o estudo de Bittar (2015) mostra que o espaço de vida marca a relação estabelecida com a educação escolar.

Os efeitos socioespaciais sobre as oportunidades educacionais aparecem também em uma pesquisa empírica desenvolvida pelo Cenpec. Articulando dados tanto de natureza quantitativa quanto qualitativa, a pesquisa aponta para o impacto da vulnerabilidade do território sobre as oportunidades educacionais e o desempenho dos estudantes da rede pública de São Miguel Paulista. Seus resultados indicam uma associação negativa entre o índice de vulnerabilidade (IPVS) do território e o desempenho de escolas e estudantes em avaliações externas (Érnica & Batista, 2012).

Ainda que algumas pesquisas tenham abordado a relação entre contexto socioespacial e desempenho escolar no município de Belo Horizonte (Mendes, 2017; Soares et al., 2008), o presente estudo apresenta uma abordagem inovadora ao focalizar a estrutura espacial do entorno escolar para investigar esse tipo de interação. A contribuição é o fato de que, ao contrário de apenas estimar os efeitos de vizinhança caracterizando-as a partir de dados censitários de caráter demográfico e socioeconômico, trabalhamos com informações sobre a distribuição espacial de equipamentos públicos urbanos na cidade. Isso...

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