Quando empreiteiras tornam-se incorporadoras: um olhar sobre as articulacoes entre producao imobiliaria e de infraestruturas na metropole de Sao Paulo do seculo XXI. - Vol. 47 Núm. 140, Enero 2021 - EURE-Revista Latinoamericana de Estudios Urbanos Regionales - Libros y Revistas - VLEX 863515216

Quando empreiteiras tornam-se incorporadoras: um olhar sobre as articulacoes entre producao imobiliaria e de infraestruturas na metropole de Sao Paulo do seculo XXI.

AutorRufino, Beatriz
CargoTexto en portugu

Introducao

A primeira decada do seculo XXI e marcada por uma intensificacao da producao imobiliaria no Brasil, manifestada pelo aumento do volume da producao e por forte valorizacao imobiliaria (Botelho, 2007; Fix, 2011; Rufino, 2012; Sanfelici, 2010). Embora menos discutidos, nesse mesmo periodo, as maiores empreiteiras (2) nacionais intensificaram suas acoes no ramo imobiliario, autonomizando bracos imobiliarios consolidados em grandes empresas de incorporacao. Embora essas empresas permanecessem com uma estrutura de capital fechada, elas ja emergiram bastante capitalizadas e assumiram um papel importante na imposicao de inovacoes no mercado imobiliario e nas cidades.

Desenvolvendo processos particulares de centralizacao do capital, a atuacao dessas empresas chama a atencao por potencializar uma articulacao entre a producao do imobiliario e a producao de infraestruturas, elevando o nivel de coordenacao na producao do espaco. Em termos concretos, o imbricamento entre imobiliario e infraestrutura aparecera tanto na emergencia de bairros planejados em areas pouco infraestruturadas como na construcao de empreendimentos imobiliarios articulados a processos de reestruturacao urbana, viabilizados por instrumentos como as Operacoes Urbanas Consorciadas e/ou Parcerias Publico-Privadas.

A principal hipotese levantada e a de que, no periodo recente de crescimento economico e do investimento em infraestruturas no pais, ligado ao projeto de governo neodesenvolvimentista, acontece uma maior integracao entre as areas de infraestrutura e imobiliaria, com intensa ampliacao dessas atividades por parte dos grandes grupos empresariais brasileiros. Nesse periodo, as principais empreiteiras nacionais se consolidam como grandes conglomerados empresariais alinhados ao projeto do governo, que buscou combater os efeitos da crise financeira de 2008. Como resposta, varias politicas de investimento foram implementadas, inclusive na area habitacional, dando incentivo a empresas de capital aberto e empreiteiras. Todo esse processo intensificou ainda mais a centralizacao ja em curso, representando mudancas radicais nas cidades e exacerbando desigualdades historicas. Alem desses resultados mais evidentes, cabe problematizar se o recente esgotamento do modelo das empreiteiras e a crise enfrentada por estas a partir de 2015 representaria uma barreira para a extensao dessa logica ou, ao contrario, novo impulso para a penetracao do capital internacional.

O fenomeno concreto enfrentado neste artigo--o entrelacamento entre infraestruturas e imobiliario--impoe como desafio teorico e metodologico a aproximacao de duas linhas de pesquisa consagradas, e seu desenvolvimento se apoia em duas estrategias principais:

Por um lado, avanca no aprofundamento do debate teorico a partir da revisao bibliografica das transformacoes no setor imobiliario e de infraestruturas, problematizando os significados do processo geral de aproximacao dessas duas areas com atencao especial as implicacoes no processo de acumulacao capitalista.

Por outro, apresentamos aqui dados empiricos para a discussao da producao das grandes empreiteiras brasileiras na incorporacao imobiliaria no Brasil e, particularmente, em Sao Paulo, que e marcada pela producao de grandes complexos imobiliarios articulados a processos de reestruturacao urbana desenvolvidos a partir de instrumentos de planejamento como as Operacoes Urbanas, um tipo de parceria publico-privada que adquire forca na cidade de Sao Paulo.

Transformacoes na industria imobiliaria e de infraestruturas: implicacoes no processo de acumulacao e na producao das cidades

Dentro do ramo da construcao, historicamente, diferenciou-se dois grandes segmentos: a producao de obras civis (ou de infraestruturas) e a producao de edificacoes (residenciais e nao residenciais), que deram lugar a dois ramos independentes, tal como se sucedeu na evolucao de outros setores economicos com multiplos vasos comunicantes (por exemplo, a industria textil e de confeccao), provocando com que a construcao albergue em seu seio uma grande variedade de produtos abrigados em um mesmo ramo (Lovera, 2014).

Como reflexo da relevancia dessa atividade e da intrinseca relacao com o espaco, as atividades de construcao pesada (ou de infraestruturas) e de incorporacao tem sido objeto de muitas areas de estudo, com grandes flutuacoes expressivas quanto a sua representatividade enquanto campo de pesquisa. Lovera (2014, p. 216) mostra que, apesar de seus vasos comunicantes, podem-se identificar pelo menos tres linhas de investigacao oriundas dessa fragmentacao e do grande interesse pelo tema.

A primeira se ocupou da industria da construcao pesada, com variantes tais como o perfil macroeconomico da industria da construcao e a organizacao da producao localizada no meio ambiente construido, em alguns casos ainda incursionando sobre os componentes produtivos da cadeia de producao. A segunda centrou-se na incorporacao como processo geral de producao, circulacao e consumo do meio ambiente construido e seus agentes, assim como as relacoes entre o capital imobiliario e o capital financeiro. Articulada a essa linha, ha ainda a terceira, que prioriza o interesse em desvendar os efeitos do padrao dominante (a incorporacao) e de outras formas de producao (mercado, autoconstrucao e encomenda) sobre a producao da cidade.

No Brasil, essa fragmentacao pode ser tambem percebida. Como produto dessa divisao, sobre a construcao pesada reconhece-se tanto um crescente interesse na discussao sobre as grandes empreiteiras e suas origens (Campos, 2012), como tambem um debate sobre o papel das obras infraestrutura e de sua distribuicao nas cidades como fator de diferenciacao urbana (Marques & Bichir, 2001; Szmrecsanyi & Lefevre, 1996).

Sobre a discussao da producao de edificacoes, identifica-se um conjunto de trabalhos, que, considerando diferentes periodos historicos, se debrucaram sobre a discussao da incorporacao (Fonseca, 2004; Ribeiro, 1991; Salgado, 1987; Souza, 1994) mostrando a relevancia da emergencia e consolidacao dessa forma de producao e sua relacao com transformacoes nas dinamicas imobiliarias das cidades brasileiras.

Aqui cabe ressaltar que, embora frequentemente compreendidas de maneira isolada, do ponto de vista da realizacao capitalista, imobiliario e infraestrutura sao inseparaveis. Essa indissociabilidade explica-se fundamentalmente pela propriedade privada e seu carater monopolista. Tendo sido, historicamente, a qualidade de infraestruturacao dos territorios condicao essencial para a capitalizacao de rendas nas propriedades imobiliarias. Essa relacao original se complexifica no curso da reestruturacao capitalista. A crescente aproximacao entre infraestrutura e imobiliario, que emerge pela crescente coordenacao dos processos de transformacao urbana, encobre relacoes sociais de producao mais complexas que incidem nas perspectivas de acumulacao capitalista via producao do espaco.

Como ja se apontou, nos ultimos anos, muito vem se discutindo sobre as transformacoes no imobiliario e sua relacao com a reestruturacao capitalista. O tema ganhou forca em trabalhos que iluminam e discutem as transformacoes em curso na producao imobiliaria (Botelho, 2005; De Queiroz, 2012; Fix, 2007, 2011; Hoyler, 2014; Miele, 2008; Sigolo, 2014; Volochko, 2011). Partindo de diferentes enfoques disciplinares (arquitetura, geografia, economia e ciencias politicas) esses trabalhos, de maneira geral, destacam diferentes aspectos da intensificacao da producao imobiliaria, iluminando, em alguns casos, transformacoes especificas na metropole. Pode-se afirmar que esse quadro de intensificacao da producao imobiliaria das cidades brasileiras relaciona-se com a consolidacao de um capitalismo dominado pelas financas (Chesnais, 2005; Harvey, 2005; Lapavitsas, 2013), que repercutiu em mudancas estruturais na organizacao do setor imobiliario no cenario internacional e nacional (Aalbers, 2008; Ball, 1988, 2006; Botelho, 2007; De Mattos, 2007).

O fortalecimento do processo geral de confluencia do capital financeiro a producao imobiliaria e as mudancas nas condicoes do financiamento imobiliario no Brasil sao responsaveis por um importante processo de reestruturacao imobiliaria, no qual a forma incorporacao voltara a cumprir um papel de grande destaque. A ampliacao da relevancia da atividade de incorporacao esta em grande medida relacionada a consolidacao de grandes empresas que impulsionaram um importante processo de centralizacao do capital no setor, principalmente a partir de 2006. Um dos aspectos decisivos nesse processo, e ja bastante discutido por um conjunto de autores (Fix, 2011; Sanfelici, 2010; Shimbo, 2010; Tone, 2010; Volochko, 2011), foi a abertura de capital na bolsa de valores. Essas empresas, apoiadas em sua grande capitalizacao, passam a desempenhar um papel decisivo no setor, impondo importante intensificacao da producao imobiliaria, seja pela ampliacao da escala dos empreendimentos imobiliarios, seja pelo volume de capital que passam a gerir, assegurando os ganhos ampliados exigidos pelo capital financeiro.

Esse movimento de ampliacao do poder das financas e de incremento de processos de centralizacao do capital torna-se tambem evidente para o caso das infraestruturas, onde ganha relevo ainda maior o papel do Estado. Para Pirez (2012), com a reestruturacao neoliberal, o Estado modifica o sentido de sua intervencao, passando a privilegiar a promocao da acumulacao capitalista e sua expansao para o conjunto das atividades economicas, com o predominio da atuacao do mercado. Essa transformacao, na percepcao do autor, determina, para o caso dos servicos urbanos na America Latina, uma transicao de um modelo centralizado-estatal para um modelo centralizado-privatizado a partir dos anos 1990. O Estado, assumindo predominantemente a funcao regulatoria, passa a assegurar, a partir da privatizacao de seus ativos, ganhos extraordinarios a agentes privados por meio de monopolios, oligopolios e garantias...

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