Permanencia e transicao no planejamento e a crise hidrica na Regiao Metropolitana de Sao Paulo. - Vol. 47 Núm. 140, Enero 2021 - EURE-Revista Latinoamericana de Estudios Urbanos Regionales - Libros y Revistas - VLEX 863515218

Permanencia e transicao no planejamento e a crise hidrica na Regiao Metropolitana de Sao Paulo.

AutorMomm, Sandra
CargoTexto en portugu

Reconhecendo as repercussoes no planejamento e na gestao da agua em cenario de mudancas climaticas

O objetivo deste artigo e discutir a permanencia e a transicao no planejamento e na gestao da agua associados ao fenomeno climatico da escassez de precipitacao e da crise de abastecimento nos anos de 2014 e 2015 na Regiao Metropolitana de Sao Paulo (RMSP). A pesquisa investigou alteracoes no sistema e na cultura de planejamento a partir do recrudescimento do evento climatico citado. Em um dialogo dedutivo-indutivo, foi elaborado um arcabouco teorico-metodologico que organizou um enquadramento de questoes norteadoras para a analise da producao bibliografica e documental produzida apos o evento, assim como para as entrevistas com agentes e operadores do sistema.

Tratar, a partir de um vies teorico metodologico, a crise hidrica paulista, demanda a construcao de um caminho de analise que parte da relacao do evento como um desastre, passando pelo nexo que se estabelece entre ele e o campo politico, em geral, e o campo do planejamento e da gestao de recursos hidricos e de risco, em particular. A partir dai, e importante verificar a capacidade de mudanca que a construcao discursiva do evento provoca na cultura e no sistema de planejamento (Nadin, 2012; Reimer, 2013; Stead, 2013; Zimmermann, Chang, & Putlitz, 2017, bem como se as acoes resultantes reforcam ou nao o status quo. Os conceitos de mudanca e de status quo estao associados com a ideia de transitions e social-technical transitions (Geels & Schot, 2007; Hodson & Marvin, 2010) e com o path dependence e path shaping (Booth, 2011; Stead, 2013).

Uma primeira questao se estabelece no entendimento, pouco convencional, de que um evento de seca seja considerado como uma ameaca que pode desencadear riscos e desastres e, portanto, possa ser abrangido pelas politicas de gestao de risco, uma vez que, a maior parte dos dados existentes sobre desastres foca eventos extremos de curta duracao, como inundacoes, ciclones e furacoes. Below, Grover-Kopec e Dilley (2007) observam que a baixa presenca dos eventos de secas, nos levantamentos sobre desastres, se da pela complexidade inerente ao fenomeno e ao estabelecimento de seus impactos, que muitas vezes levam a sua nao-inclusao: a dificuldade na definicao de seu comeco, de seu fim e das perdas economicas e sociais diretamente relacionadas a ele, bem como a relacao diversa que populacoes mais ou menos vulneraveis tem com seus efeitos. Nesse sentido, colocam que os efeitos das secas serao mais severos em regioes mais dependentes da agricultura de subsistencia e com mercados mais precarios, o que pode levar, para alem da falta d'agua, a fome. Comparadas a outros desastres, as secas apresentam inicio lento, maior duracao, maior extensao espacial e grande incidencia de perdas indiretas (Below, Grover-Kopec, & Dilley, 2007).

De acordo com a Base de Dados Internacional de Desastres Naturais, EM-DAT (Universite catholique de Louvain [UCL] & CRED, 2018), considerando os dez piores desastres brasileiros, entre 1900 e 2018, nao ha mortes associadas a eventos de seca, ainda assim, este tipo de fenomeno afeta seis em cada dez dos atingidos por desastres. A seca de 2014 e tida como o desastre que trouxe maiores perdas economicas ao pais, mesmo com a dificuldade em avaliar as perdas economicas indiretas. Tal quadro e ainda mais preocupante se for levado em consideracao o fato que, no contexto das mudancas climaticas, o resultado que possui maior probabilidade de acontecer e o aumento dos eventos extremos, que devem aumentar a incidencias de desastres, tanto de secas como de inundacoes (Intergovernmental Panel on Climate Change [IPCC], 2013). Por extremo, entende-se um evento que seja raro em determinado lugar ou periodo do ano, quando se trata de um padrao, tal como estiagem, pode ser chamado de evento climatico extremo; do ponto de vista social, evento extremo e aquele que provoca impacto extremo (Dias, 2014). Dai a definicao de desastre, dada pelo Decreto Federal no 7257/2010, como o "resultado de eventos adversos, naturais ou provocados pelo homem sobre um ecossistema vulneravel, causando danos humanos, materiais ou ambientais e consequentes prejuizos economicos e sociais". Dessa forma, e possivel afirmar que a seca de 2014-2015 no Estado de Sao Paulo e um evento extremo e que pode se tornar mais frequente na regiao, considerando os prognosticos dos estudos sobre as mudancas climaticas.

O arcabouco teorico-metodologico para investigar os impactos da crise hidrica no planejamento e gestao da agua

A relacao entre desastres provocados por eventos extremos e a politica foi objeto de diferentes interpretacoes ao longo dos ultimos 70 anos. Hannigan (2013) coloca que, durante os anos 1950 e 1960, o periodo imediatamente posterior a um desastre costumava ser visto como um momento de consenso entre os membros da comunidade e solidariedade, algumas vezes definido como utopia pos-desastre, quando todos trabalhariam com um mesmo objetivo e estariam desconectados do contexto politico previo. Um segundo universo de interpretacoes, ja na decada de 1970, considera que os impactos do desastre, em um primeiro momento, cessam os interesses divergentes, mas esses retornam lentamente durante as politicas de reconstrucao e nas estrategias de alocacao de recursos emergenciais. Desde entao, as analises mostraram, de forma crescente, o nexo politico dos desastres e, nos anos 2000, ja se encontrava bastante consolidada a ideia de que as acoes de prevencao, preparacao e resposta sao politicas. Assim, as analises passam de um momento em que as acoes pos-desastre sao vistas como acima da politica, ou fora dela, para outro em que sao entendidas como parte da politica, e nao somente o que ocorre apos um desastre, mas o proprio contexto politico em que ele aconteceu (Hannigan, 2013).

Nesse cenario, Hannigan (2013) ve duas posicoes. A primeira, mais moderada, entende que, embora a politica e o desastre estejam frequentemente interligados, nao se pode assumir uma relacao de causa e efeito, os desastres ocorrem em um espaco politico, mas nao sao exclusivamente resultado dele. A segunda estabelece que os desastres sao resultado direto do contexto social, politico e economico.

Assim, assumindo-os como fatos politicos, os desastres, ao desencadear situacoes de calamidade com rupturas, em menor ou maior escala, da infraestrutura e da estrutura socioeconomica, podem ter, como consequencia, acoes de adaptacao que representam mudancas politicas, em geral, e nos sistemas e nas culturas de planejamento, em particular. A cultura de planejamento, ou planning culture, como e conhecido o termo na literatura internacional, esta na interface entre fatores endogenos e exogenos, pontuais ou processuais, em interface com as teorias e praticas do planejamento e sua institucionalizacao, ou que se denomina como sistema de planejamento, ou planning system (Booth, 2011; Getimis, 2012; Peer & Sondermann, 2016; Reimer, 2013; Reimer & Blotevogel, 2012; Sanyal, 2005, 2016; Wolff, 2016; Zimermmann, Chang, & Putlitz, 2017). Reimer (2013), estuda como um shock event pode alternar periodos de estabilidade e instabilidade na cultura e no sistema de planejamento. Esses eventos podem ser endogenos ou exogenos, como por exemplo reformas no Estado, com a criacao ou exclusao de estruturas ou normas, ou eventos climaticos extremos que provocam desastres.

E possivel afirmar, entao, que os desastres sao construcoes sociais e, como construcoes sociais, apresentam diversas abordagens a respeito de suas causas (relacionadas com a cultura de planejamento), o que esta na raiz das respostas institucionais (sistema de planejamento) dadas a determinado evento e a possibilidade de sua repeticao.

Ao analisar os discursos e acoes, frente aos eventos de inundacao no Mexico, Aragon-Durand (2011) estabeleceu quatro categorias discursivas sobre as causas do desastre: i) por ignorancia sobre o risco; ii), por descuido; iii), acidental; e iv) estrutural. As respostas institucionais aventadas seguem a direcao do discurso, dessa forma, se a causa de determinado desastre foi a ignorancia sobre seus riscos, a resposta institucional sera a de fomentar a elaboracao de estudos e o levantamento de dados para aumentar o conhecimento sobre dado problema. Se houve descuido, as respostas enfatizam melhorias na gestao e no monitoramento do risco. Caso o entendimento seja de que o desastre foi acidental, o foco sera nos instrumentos de alerta e resposta emergencial. Por fim, caso o entendimento seja de que ha uma questao estrutural na sociedade (iv) na base do desastre, como, por exemplo, a exposicao de populacao vulneravel as suscetibilidades naturais, a resposta sera tanto na dimensao do desenvolvimento socioeconomico quanto de uma politica de planejamento que internalize a reducao dos riscos.

As respostas institucionais, no entanto, podem tanto reforcar ou mesmo recrudescer padroes existentes e acelerar a adocao de medidas em debate antes do desastre, quanto representar, de fato, uma mudanca institucional e de praticas significativa.

O trabalho de Pelling e Dill (2010) expoe essa questao, ao investigar pontos de mudancas do cenario politico no pos-desastre, na Turquia. Observam duas formas de respostas, na primeira ha a manutencao do status quo, ou seja, as mudancas possuem grande dependencia a experiencias ou caminhos ja percorridos (path dependence) e aceleram processos que ja estavam em curso no pre-desastre. Na segunda, ha a possibilidade de ruptura, uma mudanca irreversivel na forma e na direcao do regime politico. A partir dai propoem quatro momentos para a identificacao do ciclo de desastre e mudanca politica para analisar permanencia ou ruptura. O primeiro momento avalia o quanto a desigualdade socioespacial da distribuicao dos danos pode levar a um questionamento sobre as falhas do processo de desenvolvimento e no contrato social. O segundo, considera como os atores, governamentais ou nao, se mobilizam para construir e...

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