Migracoes, pendularidades e mercado de trabalho no segmento upstream da industria do petroleo na Bacia de Campos. - Vol. 46 Núm. 137, Enero 2020 - EURE-Revista Latinoamericana de Estudios Urbanos Regionales - Libros y Revistas - VLEX 870569948

Migracoes, pendularidades e mercado de trabalho no segmento upstream da industria do petroleo na Bacia de Campos.

AutorSouza, Joseane
CargoTexto en portugues

Introducao

Este artigo objetiva analisar os reflexos da reestruturacao produtiva ocorrida, a partir da segunda metade da decada 1970, em municipios fluminenses produtores de petroleo, da Bacia de Campos (Rio de Janeiro/Brasil), assim denominada seguindo o Codigo (internacional) de Nomenclatura Estratigrafica, que adota para a Bacia o nome de uma cidade proxima ou acidente geografico. Essa Bacia ocupada uma area de aproximadamente 100.000 [km.sup.2] e se estende do estado do Espirito Santo ate o litoral norte do estado do Rio de Janeiro. Neste artigo trataremos apenas dos municipios pertencentes ao estado do Rio de Janeiro, com exclusao de Niteroi, por ser um municipio da regiao metropolitana com uma populacao significativamente superior a dos demais, e com uma economia mais diversificada. Os municipios selecionados, doravante denominados municipios da Bacia de Campos, localizam-se nas 'Baixadas Litoraneas' e no 'Norte Fluminense'.

A reestruturacao produtiva implicou em uma serie de impactos regionais. Um deles deu-se sobre o mercado de trabalho, tendo em vista que o novo setor produtivo se caracteriza por ser intensivo em capital, demandando, portanto, uma mao de obra bastante qualificada e significativamente diferente daquela demanda pelo setor sucroalcooleiro e salineiro. Nesse sentido, o artigo esta organizado em seis secoes, incluindo esta secao introdutoria.

Na segunda serao apresentadas as principais caracteristicas da reestruturacao produtiva pela qual passaram esses municipios, assim como as principais caracteristicas do novo mercado de trabalho. Na terceira secao, serao feitas consideracoes teoricas sobre a relacao entre a mobilidade espacial da populacao (migracao e movimentos pendulares) e distribuicao espacial dos postos de trabalho; assim como sobre a mobilidade espacial como estrategia de ascensao social e de sobrevivencia dos individuos no mercado, a luz de visoes criticas sobre a transferencia intersetorial de mao de obra. Na quarta, serao apresentados resultados sobre os movimentos migratorios e pendulares no contexto do segmento upstream da industria do petroleo na bacia de Campos. Na quinta, as consideracoes finais e, na sexta, as referencias bibliograficas.

Reestruturacao produtiva nos municipios fluminenses produtores da Bacia de Campos

Os municipios da Bacia de Campos localizados na Baixada Litoranea--Arraial do Cabo, Armacao dos Buzios, Cabo Frio, Casimiro de Abreu e Rio das Ostras--e no Norte Fluminense--Carapebus, Campos dos Goytacazes, Macae, Quissama e Sao Joao da Barra--podem ser visualizados na Figura 1. Observe que se trata de municipios litoraneos, tendo em vista que a producao de petroleo e gas, nesta regiao, da-se em alto mar (off shore). Ate recentemente, mais de 80% da producao petrolifera brasileira era extraida desta Bacia, gerando compensacoes financeiras--royalties e participacoes especiais--de grande volume para esses municipios.

Antes de se tornarem produtores de petroleo, os municipios da Baixada Litoranea se destacavam, no cenario economico nacional, pelo desenvolvimento da atividade salineira, com a presenca de empresas de grande porte como Companhia Salinas Perynas, Refinaria Nacional do Sal (RNS) e Companhia Nacional de Alcalis (CNA). Ja os municipios do Norte Fluminense destacavam-se pela forte presenca da industria sucroalcooleira, sendo esta, com maior peso no pib estadual comparativamente aquela.

Nos anos 1970 as industrias salineira e sucroalcooleira entram em decadencia, por motivos diversos, os quais nao discutiremos aqui. Este momento coincide com a descoberta de petroleo na Bacia de Campos, em 1973; a instalacao da sede operacional da Petrobras em Macae, em 1974; e o inicio das atividades de exploracao, em 1977, e marca o inicio de um novo ciclo economico regional.

O enfraquecimento da agroindustria salineira e sucroalcooleira provocou a perda de dinamismo de importantes ramos da cadeia produtiva nestas regioes, reverberando nas demais atividades de comercio e servicos. A decadencia desses setores gerou um contingente de mao de obra desempregada, pouco qualificada, e incapaz de ser absorvida pelo setor petrolifero. A proposito, desde o desenvolvimento deste setor,

(...) a dinamica urbana e economica dos municipios fluminenses (incluindo o poder publico) estaria nao somente associada, mas tambem dotada de maior dependencia do setor petrolifero. Essa "dependencia" variaria, em grau, em funcao do posicionamento do municipio dentro da divisao regional do trabalho da industria petrolifera fluminense, sendo, assim, mais alta naqueles limitrofes a regiao produtora da Bacia de Campos. (Silva & Matos, 2016, p. 706)

A industria do petroleo e bem diferenciada das demais deste grupo, pois exige atividades de grande complexidade tecnologica e diversificadas tecnologias empregadas nas fases de perfuracao e sondagem. Trata-se de uma industria de producao continua que apresenta dois grandes segmentos denominados de upstream ou montante e downstream ou jusante. O primeiro inclui as fases de exploracao, desenvolvimento e producao enquanto no segundo incluem-se as atividades de transporte, refino e distribuicao. O maior volume de investimentos da industria concentra-se no segmento upstream, quando sao perfurados os pocos produtores e instaladas as plataformas e equipamentos (Piquet & Terra, 2011).

A atividade petrolifera na Bacia de Campos se expande significativamente a partir da Lei 9.478/97, conhecida como Lei do Petroleo e do Decreto 2.705/98, conhecido como Decreto das Participacoes Especiais. A Lei do Petroleo elevou a aliquota dos royalties, antes fixada em 5% do valor da producao, para uma aliquota que varia de 5% a 10%, beneficiando de forma extraordinaria as financas publicas dos seletos municipios confrontantes com os pocos petroliferos, denominados pela Lei de "municipios produtores" de petroleo e gas. Esta Lei decreta o fim do monopolio na exploracao e producao de petroleo e gas no pais permitindo a entrada de empresas estrangeiras, elevando significativamente a producao de petroleo e gas. A Bacia de Campos chegou a produzir mais de 80% do petroleo brasileiro e os municipios do Norte Fluminense, em especial Campos dos Goytacazes e Macae tornaram-se os maiores beneficiarios destas compensacoes financeiras.

Para se entender o contexto em que ocorreu a elaboracao da Lei do Petroleo e importante lembrar que a decada de 1990 no Brasil foi marcada pelas reformas do Estado e abertura comercial influenciadas pela base teorica neoliberal. O Brasil passa por um processo de reestruturacao produtiva, decorrente da abertura comercial ampla propiciada pela reducao das barreiras tarifarias a entrada de produtos no mercado nacional, gerando uma desarticulacao de cadeias produtivas ja consolidadas, desnacionalizacao de empresas e altas taxas de desemprego.

No setor petrolifero ocorreram importantes alteracoes na politica de compras da Petrobras em meados dos anos 1990, em especial na area do upstream, atribuidas aos acordos assinados com o Fundo Monetario Internacional (FMI), que considerava os investimentos das empresas estatais como aumento da divida publica. Segundo Rappel (2003),

(...) das quinze plataformas flutuantes de producao adquiridas pela empresa naquele periodo, somente tres foram construidas no Brasil, com investimentos da ordem de us$ 600 milhoes; enquanto doze foram encomendadas a estaleiros no exterior (...) representando investimentos totais de us$ 2,3 bilhoes, com participacao nacional pouco expressiva, variando de zero a 20%. (p. 99) Este autor argumenta ainda que essas alteracoes resultaram na formacao de um movimento empresarial de antigos fornecedores da Petrobras no sentido de buscar formas de atuacao que contornassem essa situacao que causou serios prejuizos ao parque industrial brasileiro. A Agencia Nacional do Petroleo (ANP), orgao regulador do setor apos a flexibilizacao do monopolio estatal, orientada neste sentido, passou a criar exigencias de conteudo local, protegendo a cadeia produtiva ja instalada, ampliando a participacao nacional no fornecimento de bens e servicos para o setor petroleo e gas, recuperando e ampliando os empregos e a renda no Pais.

Como dito anteriormente, a industria petrolifera e complexa e de risco, envolvendo nas suas diversas etapas empresas de diferentes portes e niveis de especializacao. O papel mais importante e exercido pelas petroleiras (oil companies), que sao intensivas em capital e que contratam servicos de sismica, perfuracao e producao de outras empresas especializadas, que requerem mao de obra qualificada em suas operacoes.

Mas e importante destacar que existem tambem oportunidades para pequenas e medias empresas se tornarem fornecedoras das petroleiras tendo em vista a variedade de produtos demandados, envolvendo servicos de menor conteudo tecnologico e desta forma criando oportunidades de trabalho para uma mao de obra menos qualificada.

A reestruturacao produtiva da industria do petroleo reflete as tendencias em curso no cenario internacional de reestruturacao do capitalismo e suas manifestacoes no mercado de trabalho. Nesta direcao a adocao da terceirizacao foi decorrente da exigencia de uma variedade de tarefas altamente especializadas, de atividades sequenciais e de curto prazo e operacoes em areas distantes.

Figueiredo et al. (2007) realizaram estudo sobre as terceirizacoes e as relacoes de trabalho na industria petrolifera offshore no Brasil e consideram que a reestruturacao produtiva no setor petrolifero atende aos requisitos de maior produtividade e flexibilidade, alterando significativamente a gestao do trabalho, seguindo tendencia predominante em outros contextos industriais. A terceirizacao cresceu significativamente na decada de 1990, periodo no qual houve a suspensao dos concursos no ambito federal e a Petrobras, como empresa publica teve vedada a possibilidade de renovacao do seu quadro de pessoal, com reducao do efetivo de trabalhadores coincidindo com o periodo em que houve...

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