Financeirizacao do territorio e novos nexos entre pobreza e consumo na metropole de Sao Paulo. - Vol. 43 Núm. 130, Septiembre - Septiembre 2017 - EURE-Revista Latinoamericana de Estudios Urbanos Regionales - Libros y Revistas - VLEX 702948553

Financeirizacao do territorio e novos nexos entre pobreza e consumo na metropole de Sao Paulo.

AutorMontenegro, Marina
CargoTexto en portugues - Ensayo

RESUMO | A financeirizacao tornou-se um dos componentes mais dinamicos do capitalismo contemporaneo, implicando transformacoes expressivas na circulacao global da riqueza, mas tambem na organizacao dos territorios nacionais e na vida cotidiana das populacoes urbanas. Os novos nexos financeiros existentes entre a urbanizacao brasileira e a vida dos agentes economicos atingem parcelas cada vez maiores da populacao pobre, assim como areas menos valorizadas e/ou perifericas dos tecidos urbanos. No Brasil, esta financeirizacao conforma uma situacao paradoxal, na qual a expansao do consumo e da financeirizacao entre as camadas de baixa renda se combina a ampliacao da pobreza. Atraves de uma ampla revisao bibliografica, pesquisa documental e de campo, identificamos como se dao os dinamismos desta nova pobreza que se configura na metropole de Sao Paulo, atentando especificamente as transformacoes das praticas de consumo entre a populacao de baixa renda assim como a nova topologia de grandes redes comerciais e de servicos.

PALAVRAS-CHAVE | pobreza, consumo, periferia urbana.

ABSTRACT | Financialization became one of the most dynamic components of contemporary capitalism, involving significant changes in the global circulation of wealth, but also in the organization of national territories and the daily life of urban populations. New financial links between the Brazilian urbanization and life of economic agents reach ever-larger portions of poor people, as well as less valued and/or peripheral areas of the urban context. In Brazil, financialization conforms a paradoxical situation in which the expansion of consumption and financialization between the layers of low income combines to the expansion of poverty. Through an extensive literature review, and also documental and field research, we identify how to understand the dynamics of this new poverty that is configured in the metropolis of Sao Paulo, with special consideration to changes in consumer practices among the low-income population as well as the new topology of networks from large commercial and services companies.

KEYWORDS | poverty, consumption, urban periphery.

Introducao

As transformacoes recentes na formacao socioespacial brasileira, sob a hegemonia do capitalismo financeiro, implicam recomposicoes sociais e territoriais que nos colocam novas indagacoes sobre as atuais relacoes entretecidas entre a pobreza, o consumo e as financas nas cidades. Essas relacoes vem sendo ha tempos estudadas por diferentes intelectuais, como e o caso do geografo Milton Santos (1975). Para o autor, a economia urbana dos paises perifericos pode ser entendida a partir da formacao de dois circuitos de producao e consumo que se distinguem em funcao dos diversos graus de tecnologia, capital e organizacao assumidos pelas atividades urbanas. Quando esses sao altos, trata-se do circuito superior, incluindo sua porcao marginal; quando sao baixos, trata-se do circuito inferior. Como o circuito superior da economia e mais intensivo em tecnologia e capitais, ele tende a concentrar a renda e a riqueza financeira produzida nas grandes cidades. Estas realidades sofrem transformacoes espaciais derivadas de eventos de origem nacional e planetaria, cujos rebatimentos provocam mudancas nas esferas do consumo e da producao (Silveira, 2014). Enquanto variavel determinante do periodo, as financas exercem atualmente um papel chave de vinculo entre o circuito inferior da economia, ou seja, da economia popular, e as grandes redes financeiras, varejistas e de servicos, representantes do circuito superior globalizado.

O processo de financeirizacao do territorio brasileiro (Santos e Silveira, 2001), ou ainda de hipercapilaridade das financas (Contei, 2006, 2009), se da com especial intensidade nas cidades, principalmente na metropole de Sao Paulo, rearranjando praticas sociais e conteudos do territorio. Ha, assim, uma indissociabilidade entre a atual configuracao global do capitalismo, a historia da formacao socioespacial brasileira e as dinamicas e formas urbanas (Silveira, 2011). Baseados neste partido de metodo e na teoria dos dois circuitos da economia urbana (Santos, 1975), buscamos desvendar certos nexos do processo de financeirizacao da pobreza em Sao Paulo, atentando sobretudo as transformacoes do consumo e do territorio em sua periferia.

A emergencia de uma nova configuracao do capitalismo mundial a partir dos anos 1970 implicou a ascensao de um "regime de acumulacao com dominancia financeira" (Chesnais, 2005). A consolidacao recente deste processo pode ser denominada "financeirizacao", termo crescentemente invocado nos debates sobre as dinamicas do capitalismo contemporaneo. De acordo com Christophers (2015), a financeirizacao, junto a globalizacao e ao neoliberalismo, conformam um tripe analitico capaz de distinguir o capitalismo atual de periodos anteriores. Abrangendo um amplo processo de transformacao economica e cultural, a financeirizacao altera comportamentos e valores na economia, na politica e na sociedade como um todo (Christopherson, Martin & Pollard, 2013), renovando, consequentemente, os proprios conteudos do territorio. Embora frequentemente empregado pela literatura anglo-saxa em analises da crise das hipotecas norte-americana do fim dos anos 2000, o potencial analitico do conceito abrange o processo mais amplo de reestruturacao da economia sob regencia da esfera financeira. Aalbers (2008) e Sokol (2013) propoem entender a financeirizacao como o deslocamento do capital dos circuitos primario, secundario e terciario para o circuito quaternario do capital, o qual nao constitui um mercado de producao ou consumo, mas um mercado de especulacao, ou ainda, um circuito de auto reproducao do capital. A financeirizacao coincide, nesta direcao, com a afirmacao do sistema financeiro enquanto uma esfera autonoma de acumulacao e a decorrente reestruturacao da economia global em beneficio de agentes hegemonicos dos mercados financeiros (Lapavitsas & Powell, 2013).

Novos nexos entre pobreza e consumo

Nos ultimos anos, conjugaram-se no pais; o avanco da urbanizacao e da metropolizacao, a reducao dos indices de pobreza e a expansao do consumo (Neri, 2011; Pochmann, 2012; Instituto Brasileiro de Geografia e Estatistica [IBGE]/Pesquisa Nacional por Amostra de Domicilios [PNAD], 2013). Ao longo das ultimas decadas, o processo de urbanizacao da sociedade e do territorio brasileiro avancou rapidamente, visto que a populacao urbana passou de 55,92% do seu total de habitantes em 1970 para 84% em 2010 (IBGE, 2010), ano em que o pais ja reunia quinze cidades com mais de 1 milhao de habitantes, onde residiam 36,2% da populacao brasileira (IBGE, 2010). A metropolizacao, ou ainda, a crescente concentracao populacional nas Regioes Metropolitanas constitui, assim, um processo caracteristico da urbanizacao recente. Durante a ultima decada ocorreu, ao mesmo passo, uma reducao na proporcao de pobres entre a populacao brasileira, a qual recuou de 38,6% em 2001 para 20,6% em 2011 (IBGE/PNAD, 2011). Conforme veremos a seguir, a combinacao de uma serie de fatores contribuiu para uma melhoria da renda entre a populacao e, por conseguinte, para a ampliacao do consumo entre as camadas populares durante a ultima decada (1).

A reducao da pobreza ao longo da ultima decada envolveu diferentes processos de ordem social e territorial. A pobreza apresenta-se hoje menos concentrada nas areas rurais, ja que em 1992, os estratos rural, urbano e metropolitano concentravam 24,3%, 44,5% e 31,2% da pobreza brasileira, enquanto em 2009, estes percentuais alcancavam respectivamente 15,3%, 48,4% e 36,4% (Rocha, 2009). A atual intensidade da pobreza nas metropoles brasileiras, onde o custo de vida e mais elevado e a producao de necessidades mais exacerbada, encontra-se ilustrada na tabela 1, a seguir. Vale destacar que a proporcao de domicilios com rendimento medio mensal ate 2salarios minimos, ou seja, de ate Vi salario minimo per capita, corresponde a definicao oficial mais correntemente adotada no Brasil enquanto linha de pobreza (Rocha, 2006; IBGE/PNAD, 2009).

A populacao empobrecida residente nas metropoles brasileiras encontra-se, nao obstante, cada vez mais inserida nas praticas de um consumo moderno e dos nexos financeiros, dinamicas intrinsecas ao periodo atual. A metropolizacao, a reducao da pobreza e a ampliacao do consumo entre as camadas de baixa renda apresentam-se, assim, como fenomenos inter-relacionados.

A reducao da pobreza e a expansao recente do consumo entre os estratos inferiores de renda no Brasil explicam-se por um conjunto de fatores de ordens diversas ocorridos na ultima decada (Torres, Bichir & Carpim 2006; Montenegro, 2014). Dentre estes, destacam-se o papel das politicas publicas federais de transferencia de renda (principalmente o Bolsa Familia e o Brasil sem Miseria), os reajustes do valor do salario minimo--com o consequente aumento da renda do trabalho--, a reducao do tamanho medio das familias no pais, a crescente participacao feminina no mercado de trabalho, uma menor variacao na estrutura de precos e a maior oferta de credito.

Ao longo dos anos 2000, houve efetivamente uma forte expansao da presenca de bens de consumo duraveis nos domicilios do pais. Eletrodomesticos como fogao, geladeira e televisao praticamente se universalizaram nas residencias brasileiras: em 2013, 97,2% dos lares possuiam geladeiras, 98,7% fogao e 97,1 % televisao (IBGE/ PNAD, 2013). A evolucao da presenca de certos bens duraveis nos domicilios brasileiros entre 2001 e 2013 pode ser entrevista na tabela 2.

E interessante notar, a partir da tabela 2, como artefatos modernos como computadores e aparelhos de DVD, ate recentemente exclusivos das camadas de maior renda, tambem se banalizaram nos ultimos anos. O telefone celular constitui um dos itens emblematicos desta expansao do consumo na ultima decada: enquanto em 1999 havia 15 milhoes de linhas ativas no pais, em 2015 ja eram 270 milhoes, das quais 196 milhoes...

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