Experiencias de regulacao urbana e suas possibilidades: analise a partir do Programa Minha Casa Minha Vida na Regiao do Grande ABC (Sao Paulo). - Vol. 44 Núm. 132, Mayo 2018 - EURE-Revista Latinoamericana de Estudios Urbanos Regionales - Libros y Revistas - VLEX 730295753

Experiencias de regulacao urbana e suas possibilidades: analise a partir do Programa Minha Casa Minha Vida na Regiao do Grande ABC (Sao Paulo).

AutorJesus, Patricia
CargoDOSSIER: VIVIENDA Y DESARROLLO INOMBILIARIO

RESUMO | Muitas avaliacoes tem sido feitas ao Programa Minha Casa Minha Vida, sobretudo, quando se referem aos seus efeitos territoriais negativos nas cidades, atribuidos a baixa capacidade reguladora e institucional dos municipios em arbitrar sobre a localizacao dos empreendimentos habitacionais de um lado, e ao protagonismo das empresas construtoras de outro. Todavia, questiona-se se estes efeitos poderiam ser minimizados em um contexto de aplicacao dos instrumentos previstos no Estatuto da Cidade, com o objetivo de reservar areas adequadas para producao de Habitacao de Interesse Social. O artigo analisa a experiencia dos municipios da Regiao do Grande ABC relativa a aplicacao de instrumentos urbanisticos, especialmente as Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS) e sua relacao com a producao do PMCMV entre (2009-2014). Conclui-se que a aplicacao de tais instrumentos influencia positivamente na operacao do Programa, de modo que as localizacoes mais adequadas de seus produtos, na regiao, relacionam-se com o historico de regulacao urbana e com a proatividade de suas prefeituras em sua execucao.

PALABRAS CLAVE | politica habitacional, ordenamento territorial, governo local.

ABSTRACT | Many evaluations have been made to the Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV: My Home My Life Program), especially regarding the negative territorial effects in the cities, on the one hand due to the low capacity of regulation of the municipal government in arbitrating about the location of the housing projects and on the other hand, as a result from the role of construction companies. We question whether those effects could be minimized in a context of application of urban instruments set out by the Statute of Cities that aim to save suitable areas to housing provision. This article analyses the experiences in the ABC Region and its municipalities in applying urban instruments, especially in the Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS) and their relation to the PMCMV results, between 2009 and 2014. The conclusion shows a positive influence in the operation of PMCMV as a consequence of the application of urban instruments, so that the most suitable location of its products in this region are related to the past of urban regulation and to the proactivity of municipalities in its execution.

KEYWORDS | housing policy, spatial planning, Local government.

Introducao

Os problemas relacionados a localizacao inadequada de conjuntos habitacionais fazem parte da realidade urbana brasileira desde a decada de 1960, quando, por meio do Banco Nacional da Habitacao (bnh), foi viabilizada, no Brasil, significativa producao habitacional. A producao do bnh segregou as familias em 'bairros dormitorios' instalados nas franjas das cidades, desprovidos de equipamentos e servicos urbanos. Porem, mais de seis decadas depois, a despeito da comprovacao das danosas consequencias aos moradores e ao meio ambiente, atualmente, no Brasil, grande parte da producao do Programa Minha Casa Minha Vida em sua faixa prioritaria de atendimento--a Faixa I--reproduz essa estrategia.

Lancado em 2009, o Programa Minha Casa Minha Vida foi motivo de otimismo para alguns, pois a justificativa oficial do governo, a epoca de seu lancamento, foi a deflagracao da crise de 2008, iniciada nos eua e originada no setor imobiliario, e o receio de o Brasil sentir seus efeitos, dai a necessidade de criar um programa anticiclico, ou seja, que operasse no sentido contrario ao da crise.

Considerando que o ambiente macroeconomico brasileiro era, em 2009, bastante favoravel, um programa no setor imobiliario seria adequado a este proposito, pois dinamizaria a economia e contribuiria para reduzir o deficit no pais de aproximadamente, sete milhoes de unidades habitacionais, segundo dados da Fundacao Joao Pinheiro.

Entretanto muitos manifestaram seu pessimismo e houve varias criticas iniciais a ele: a drenagem de fartos recursos publicos pelo setor privado e igualmente o carater privatista de sua producao sem controle social; a nao aderencia ao deficit habitacional na faixa prioritaria; o descolamento da arquitetura proposta pelo Programa e as discussoes em curso, no ambito do Plano Nacional de Habitacao, que estava em elaboracao quando de seu lancamento; sua interpretacao mais como um programa de financiamento e menos como um programa habitacional stricto sensu; a qualidade discutivel das habitacoes; ausencia de dialogo com estrategias fundiarias voltadas para ampliar o acesso a terra urbanizada ou voltadas a reservar areas adequadas a Habitacao de Interesse Social e o receio da localizacao periferica dos empreendimentos produzidos, que poderiam contribuir para agravar a segregacao socioespacial no interior das cidades, repetindo o padrao de programas habitacionais pregressos (Arantes & Fix, 2009; Cardoso, 2013; Ferreira, 2012, 2014; Maricato, 2009; Rolnik, 2010; Rolnik & Nakano, 2009; dentre outros).

Sabe-se que cabe aos municipios, no ambito de sua autonomia, legislar sobre o uso e ocupacao urbanos e aplicar os instrumentos previstos no Estatuto da Cidade (Lei no. 10.257/2001) para fazer cumprir a funcao social da propriedade urbana, submetendo-a ao interesse coletivo. Entretanto varios estudos apontam que esses instrumentos nao estao sendo efetivamente aplicados (Carvalho & Rossbach, 2010; Rolnik, 2010; Santos Jr. & Montandon, 2011).

Articular fomento com regulacao urbana, ou seja, condicionar a disponibilizacao de recursos a aplicacao de instrumentos urbanisticos com esta finalidade poderia contribuir para produzir melhores localizacoes. O desenho inicial do PMCMV, no entanto, nao estabeleceu esta condicionante, sendo razoavel supor que nao o fez para alcancar bons resultados quantitativos. Ressalte-se que nem sempre areas adequadas sao delimitadas como Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS) e, nesse caso, a producao em ZEIS nao garante uma boa insercao urbana. Por outro lado, observa-se que varios municipios demarcaram areas adequadas como ZEIS, mas os empreendimentos do PMCMV foram executados em areas menos adequadas, e que nao haviam sido instituidas como ZEIS, como e o caso do municipio de Uberlandia, em Minas Gerais. (1)

Outra situacao observada e o que ocorreu, por exemplo, em municipios do estado do Rio de Janeiro em que as ZEIS nao existiam ate o advento do PMCMV e foram demarcadas como estrategia de flexibilizacao de parametros de usos a partir da demanda das empresas construtoras para acomodar empreendimentos da Faixa 1 (Rufino, 2015, p. 56; Cardoso, Queiroz, Melo & Jaenish, 2015, p. 82; Rufino, Uemura, Menegon & Klintowitz, 2015, p. 124).

Pequeno e Rosa (2015) chamaram atencao para estes casos em que o planejamento e a regulacao urbana quando existem, ocorrem a posteriori da producao da moradia, e nao a priori, como se observa no abc. Nesta regiao, como veremos adiante, as ZEIS coincidem com a producao do PMCMV, principalmente em sua faixa prioritaria de atendimento, a Faixa I. Com o intuito de minimizar o problema especifico da inadequada localizacao dos empreendimentos, as alteracoes do Programa Minha Casa Minha Vida, implementadas em virtude do lancamento de sua segunda fase,2 instituiram medidas de incentivo a insercao urbana dos empreendimentos. Mas a autonomia das construtoras sobre a localizacao deles permaneceu intocada, de modo que, na pratica, a problematica realidade pouco se alterou como demonstram estudos e pesquisas, cujo objetivo e avalia-lo, tanto em sua primeira como em sua segunda fase, sobre os quais fazemos, a seguir, brevissima sintese.

Ferreira (obra citada) avaliou aspectos de projeto, implantacao e insercao urbana dos empreendimentos das Faixas 2 e 3 (circunscritos no denominado segmento economico das empresas construtoras) em todo o Brasil. Em Cardoso (obra citada), foram publicadas as primeiras analises do PMCMV que indicaram a forte tendencia de periferizacao dos conjuntos habitacionais e as alteracoes na dinamica imobiliaria em sua decorrencia, em cidades dos estados do Parana, Goias, Para, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Ceara.

Em Santo Amore, Shimbo e Rufino (2015), foram avaliados todos os aspectos do Programa tal como previu a Chamada MCTi/cNPq/MCiDADES no. 11/2012, (3) e foram tomados como estudos de casos, predominantemente, empreendimentos da Faixa 1 do Programa, nos estados brasileiros, como Rio de Janeiro, Sao Paulo, Ceara, Minas Gerais, Rio Grande do Norte e Para. Dessa obra, destacamos as pesquisas que se dedicaram a avaliar a insercao urbana dos empreendimentos do PMCMV em varias cidades brasileiras: Pequeno e Rosa (2015), Bentes Sobrinha, Silva, Tinoco, Ferreira, Guerra e Silva (2015), Rizek et al. (2015), Rolnik et al. (2015).

A importancia de tais pesquisas e inequivoca, principalmente, porque, quando nos dedicamos a estudar o Programa, nos deparamos com o fato de que "por sua caracteristica hibrida--estimulo a moradia social e fortalecimento do mercado privado--o PMCMV nao e de facil acomodacao a uma critica em sentido unilateral" (Bentes Sobrinha et al., 2015, p. 348). Alias, e essa constatacao que justifica seu estudo por diferentes enfoques e perspectivas: modalidades de atendimento, escalas espaciais, agentes promotores, efeitos territoriais nas cidades, localizacao, dinamica imobiliaria, modelo de financiamento, beneficiarios, questoes projetuais etc., pois apenas a analise de variados elementos nos permite compreender sua complexidade, seus limites e suas potencialidades.

Em outras palavras, a constatacao bastante presente nas referidas pesquisas de que os empreendimentos do PMCMV estao inadequadamente inseridos na malha urbana das cidades, ou que eles reforcam o padrao de segregacao socioespacial ja estabelecidos nessas mesmas cidades diz muito sobre o Programa, mas nao diz tudo sobre os diferentes arranjos em diferentes contextos regionais e sobre as distintas capacidades de regulacao dos outros agentes tambem responsaveis por seu exito. Neste sentido, o artigo discute aspectos da regulacao urbana...

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