A emergencia de estrategias transnacionais de ordenamento do territorio na Uniao Europeia: reimaginar o espaco europeu para criar novas formas de governanca territorial? **. - Vol. 29 Núm. 89, Mayo 2004 - EURE-Revista Latinoamericana de Estudios Urbanos Regionales - Libros y Revistas - VLEX 53250501

A emergencia de estrategias transnacionais de ordenamento do territorio na Uniao Europeia: reimaginar o espaco europeu para criar novas formas de governanca territorial? **.

AutorFerr

Abstract

Territorial planning does not integrate European Commission formal competences. But this has supported multiple favorable initiatives to the emergency of transnational development strategies of Communitarian space. This apparent contradiction is analyzed from the reconstitution of the process that has permitted the European Commission to hold today an effective role in this matter, in little more than ten years. The assumption of this paper is mainly based in informal processes of construction of a collective shared vision about Europe's future space. The text evaluates both meaning and possible implications of this evolution, defending the need of questioning supra-national strategies of territorial planning, as a way to participate in the political debate about the future of European and national projects.

Keywords: European Union, territorial planning, spatial development.

Resumo

O ordenamento do território não integra as competências formais da Comissão Europeia. Mas esta tem apoiado múltiplas iniciativas favoráveis à emergência de estratégias transnacionais de desenvolvimento do espaço comunitário. Esta aparente contradição é analisada a partir da reconstituição do processo que, em pouco mais de dez anos, permitiu que a Comissão Europeia detenha hoje um papel efectivo nesta matéria. A conquista deste papel baseou-se, em grande medida, em processos informais de construção de uma visão colectiva e partilhada sobre o espaço futuro da Europa. O texto avalia o significado e as possíveis implicaçóes desta evolução, defendendo a necessidade de questionar as estratégias supra-nacionais de ordenamento do território como forma de participar no debate político sobre o futuro do projecto europeu e do país.

Palavras-chave: União Europeia, ordenamento do território, desenvolvimento espacial.

**********

  1. O paradoxo a esclarecer

    A Comissão Europeia não tem competências formais em matéria de ordenamento do território, um domínio considerado do âmbito da soberania de cada um dos estados-membros. Contudo, os serviços da Comissão Europeia têm vindo a estimular e a apoiar, desde finais da década de '80, múltiplas iniciativas que visam o desenvolvimento de estratégias de ordenamento transnacional do espaço comunitário. É sobre este paradoxo que se debruça o texto que se segue, tentando averiguar o seu significado e as suas implicaçoes.

    Na verdade, os processos de emergência e conduçao dos debates sobre o ordenamento transnacional do espaço comunitário constituem um excelente exemplo de uma das vias a que a União Europeia tem privilegiadamente recorrido nestas últimas duas décadas para intensificar a construção de um projecto europeu comum: a montagem informal de uma agenda discursiva capaz de estruturar as opçoes e prioridades definidas individualmente por cada estado-membro, suscitando, por esta via, a criação de novas formas de governança territorial para o conjunto do espaço comunitário.

  2. Breve história da emergência do discurso sobre o ordenamento transnacional do espaço europeu

    Não é nova a ideia de ordenar o território comunitãrio. Mas nos últimos anos verificou-se uma tendência persistente e sustentada para discutir a necessidade de introduzir, de forma sistemática, o planeamento espacial transnacional no debate político sobre a construçao do projecto europeu. Contudo, e sendo o território consensualmente aceite como a última fronteira da soberania, as instâncias comunitárias não têm competência para intervir directamente nesta matéria. É, pois, face a este contexto marcado pela tensão entre a valia europeia e o âmbito nacional do ordenamento do território que teta de ser entendido o modo como a questão evoluiu nos últimos anos.

    De forma simplificada, pode dizer-se que o debate sobre o ordenamento espacial transnacional na União Europeia amadureceu era pouco mais de uma década, segundo três fases.

    2.1. 1a fase (1989-1991). O início: das metáforas espaciais académicas ao primeiro encontro informal dos ministros de ordenamento do território da UE

    Esta primeira fase engloba dois tipos de elementos que se revelaram cruciais para o prosseguimento do debate. Por um lado, publicaram-se uma série de estudos académicos que sugeriam leituras estratégicas inovadoras para o conjunto do espaço europeu. Por outro lado, realizou-se em Nantes (1989) o primeiro encontro informal dos Ministros do Ordenamento do Território e Desenvolvimento Regional dos vários estados-membros. Analisemos o significado destes dois tipos de elementos.

    O período 1989-1991 foi rico em estudos que propunham metáforas espaciais para o território europeu: "banana azul" (Brunet, 1989), "estrela azul" (IAURIF, 1991), "cacho de uvas" (Kunzmann & Wegener, 1991) e "casa dos setes quartos" (Lutzky, 1990) constituem, talvez, os casos mais divulgados e, por isso, que maior impacte tiveram nos debates que se seguiram sobre as estratégias de ordenamento do espaço europeu (1).

    Todos estes estudos defendiam leituras simplificadas da organizaçao interna do território do velho continente, recorrendo a metãforas com grande poder comunicacional em ambientes externos ao mundo académico. Na verdade, foi em boa medida a eficácia das imagens então produzidas que levou a que o debate extravasasse facilmente para os corredores de Bruxelas e dos governos nacionais e, sobretudo, para a comunicação social, ganhando uma ressonância mediática invulgar para estudos de natureza académica.

    Para além das características de cada uma das metáforas produzidas, é importante perceber como a natureza de cada uma delas ilustra um processo de amadurecimento incremental mas aparentemente irreversível.

    O trabalho de Brunet (1989), baseado numa caracterizaçao minuciosa das cidades europeias efectuada a partir de um leque alargado de indicadores, é sobretudo estático e analítico: a ideia de "banana" visa, no essencial, ilustrar a forte concentração de recursos qualificados na dorsal Londres-Amesterdão-Bona-Milão.

    A metáfora apresentada pelo IAURIF (1991) tem uma natureza mais dinámica e prospectiva, na medida em que a "estrela azul" procura antecipar a futura organização do espaço europeu, muito estruturado pelas áreas centrais mais prósperas mas também pelos corredores de desenvolvimento induzidos pela construçao das redes de transporte transeuropeias (de acordo com a resolução comunitária aprovada em 1989).

    O "cacho de uvas" de Kunzmann e Wegener (1991) é daramente especulativo ou mesmo normativo, tendo como função defender uma Europa de regiões sustentáveis baseada em cidades fortemente internacionalizadas e organizadas em rede entre si.

    Finalmente, a metáfora de Lutzky (1990) relembra-nos que a organizaçao futura do espaço europeu não pode ignorar a diversidade históricocultural que o caracteriza, defendendo a existência de sete regiões tran~acionais europeias distintas entre si mas com forte unidade patrimonial interna.

    Para além da diversidade que os marca, estes estudos tiveram o mérito de lançar para debate público a necessidade de uma visão estratégica para o conjunto espaço europeu: como se organiza hoje, como tende a evoluir, como queremos que seja no futuro? Constituem, pois, a pedra basilar da emergência das estratégias transnacionais de ordenamento do territóño comunitário.

    As metáforas espaciais e outros tipos de imagens e mapas simplificados e apelativos virão, aliás, a desempenhar um papel crucial em todo o debate sobre as estratégias supranacionais de ordenamento do território europeu, enquanto instrumento de consensualização de ideias e como suporte de facilitação da comunicação entre técnicos, políticos e cidadãos (Jensen & Richardson, 2003).

    Paralelamente, em 1989 realiza-se em Nantes o primeiro encontro informal dos ministros de ordenamento do território e desenvolvimento regional dos vários esrados-membros, soba presidência francesa e com o apoio da Comissão Europeia. Neste encontro foi decidido elaborar vários estudos de ámbito europeu (supranacional) sobre o ordenamento do território, domínio em que, conforme já se salientou, a Comissão não tem competências formais. Segundo Faludi (2002), a intenção francesa era relacionar os resultados desses estudos com a revisão dos fundos estruturais, através da introdução de uma visão estratégica espacial europeia que permitisse substituir a utilização dos critérios de alocação de fundos baseados em indicadores quantitativos. A perspectiva proposta foi rejeitada pelos restantes parceiros comunitários, alguns dos quais reconheceram nesta iniciativa uma extensão (abusiva) da cultura centralista francesa de aménagement du territoire. Neste encontro foram, no entanto, lançadas as bases para a preparaçao de um importante documento, o Europa 2000, que marca o início da segunda fase.

    Este primeiro encontro informal de ministros do ordenamento do território dos vários estados-membros tinha, em certa medida, um referencial bem anterior. De facto, em 1970 foi criada, no ámbito do Conselho da Europa, a CEMAT (Conferência Europeia dos Ministros do Ordenamento do Território), que passou, desde então, a funcionar intermitentemente, numa base informal. Entre a data de criação e o período agora em análise, a CEMAT suscitou a realização de vários estudos, com relevo para os que deram origem à Carta Regional para a Europa, aprovada no encontro de Torremolinos, 1983 (CEMAT, 1983).

    De facto, ao longo das décadas de '70 e '80 a CEMAT foi evoluindo de uma óptica de cooperação transfronteiriça para uma perspectiva mais alargada de cooperação inter-regional e mesmo, mais tarde, de desenvolvimento espacial da Europa. Segundo Foucher (1994), a CEMAT desempenhou um papel essencial de "regresso do planeamento", ao apostar na necessidade de um planeamento indicativo e estratégico para o conjunto do espaço europeu como forma de garantir uma melhor coordenação das várias políticas sectoriais e um desenvolvimento mais sustentável da Europa.

    Retira-se, ainda, que a resolução comunitária sobre as redes transeuropeias data de 1989 (Comissão das...

Para continuar leyendo

Solicita tu prueba

VLEX utiliza cookies de inicio de sesión para aportarte una mejor experiencia de navegación. Si haces click en 'Aceptar' o continúas navegando por esta web consideramos que aceptas nuestra política de cookies. ACEPTAR